081 – Pico – A Fabulosa Lava Negra
Vinhas em chão de lava, separadas por rochas vulcânicas. Um rendilhado de muros de pedras negras que podiam dar duas vezes a volta ao Equador.¹
A história das vinhas do Pico começa lá muito atrás, quando os primeiros povoadores chegaram ao arquipélago dos Açores, em 1427. Nesta ilha vulcão, a terra é dura, inóspita, incultivável. Mas o homem não se deixa vencer pela natureza, antes faz dela seu aliado para dela tirar o maior proveito e sustento. Com engenho, planta bacelos de vinhas nas fendas das rochas.
O trabalho é duro, exigente: carros de bois escavam caminhos na rocha de lava, a marca dos rodados permanece lá, a lembrar a persistência do esforço. Depois, erguem-se muros de basalto, todos empilhados à mão, não muito altos nem muito baixos, a altura suficiente para proteger o vinhedo dos ventos fortes do Atlântico, bem como da maresia salgada vinda do mar, e deixar o sol entrar. A pedra vulcânica retém o calor durante o dia, e liberta-o à noite, fazendo dos currais uma espécie de estufa. Este processo acentuava a doçura das vinhas.
Esta paisagem de “pedras que dão vinho”, é reconhecida como património da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em 2004.²
Ermida de São Mateus da Costa (séculos XVII / XVIII).
As vinhas estão implantadas nas fendas existentes em finas camadas de basalto e o trabalho manual encontra-se intimamente associado a esta produção. Devido à estrutura reticular de muros e às características específicas desta cultura, recorre-se a mão-de-obra intensiva, não só para a sua manutenção, mas também porque não é possível a introdução de máquinas agrícolas. O processo de produção de vinho na ilha repercute-se na paisagem, ou seja, as estações do ano revestem-se de diferentes tonalidades (ao nível da cor, forma e atividade humana) consoante a evolução do vinhedo: no Inverno plantam-se os bacelos, efetua-se o enxerto e podam-se as videiras; na Primavera surgem os rebentos; no início do Verão procede-se ao levantamento da vinha do chão de modo a melhorar o processo de maturação; no fim do Verão realiza-se a vindima recorrendo a mão-de-obra e a métodos tradicionais de apanha da uva.²
Custei a largar este local. Esta lava negra é fascinante.
Aqui fica um poema³ do picaroto José Enes (1924 – 2013), um dos mais importantes filósofos portugueses do século XX. Nasceu nas Lajes do Pico (povoação que pode ser vista na crónica 73) e foi o primeiro reitor da Universidade dos Açores:
Montanha do Meu Signo
Montanha do meu segredo
Montanha do meu destino
Tocaste-me com um dedo
Imprimindo em mim um signo
—————- Quando me viste nascer…
Montanha da minha dor,
Montanha do meu chorar,
Olhaste-me com amor
Com um fundo e fino olhar
—————- Quando me viste nascer…
Montanha dos meus desejos,
Da linha louca ambição,
Encheste-me a alma de beijos
Do fundo do teu vulcão
—————- Quando me viste nascer…
Montanha da minha sorte,
Oh! génio do meu viver
Encomenda-me na morte
—————- Quando me vires morrer.
Ermida da Rainha do Mundo. De acordo com o site da Câmara Municipal de São Roque, esta ermida foi construída no século XVII⁴. De acordo com o site da Junta de Freguesia de Santa Luzia, esta Ermida foi construída no século XX⁵. A Junta de Freguesia explica isto: “Esta ermida cuja construção recua ao século XX é dedicada à devoção da Rainha do Mundo, e tem a sua fundação no ano de 8 de Dezembro de 1954”. A “Rainha do Mundo”, virei a saber, é uma das muitas invocações de Nossa Senhora.
O que haverá para comer, aqui?…
Lapas! Será que servem lapas às 10 da manhã?… Ou a cozinha também está fechada?…
Cá estão elas, umas deliciosas lapas. A menina que estava a varrer o chão, nas fotos acima, é desembaraçada. Não há horas para grelhar lapas. Grelham-se a qualquer hora. Ora bem. Ainda havia croissants acabados de fazer, com chocolate, mas apeteceu-me mais as lapas. “São daqui dos Açores?”, perguntei. Isto porque o Sandro, do Faial, na crónica 67, disse-me que era preciso ter atenção, que as lapas vêm de outro local (não me recordo de onde – acho que é da ilha da Madeira). Sim – respondeu-me a menina – compram-nas a uma pessoa daqui, são dos Açores. Compram ao quilo: 14€ o quilo, e vendem a 6€ o pratinho. Eu não podia ir embora dos Açores sem provar as suas lapas grelhadas. E se me aparecerem mais, voltarei a comer, porque eu aprecio bastante. Também comi lapas grelhadas na Madeira, quando lá estive um mês de férias, ainda era adolescente.
¹ “O segredo das vinhas do Pico” (2009). RTP Ensina. Página consultada a 11 janeiro 2021,
https://ensina.rtp.pt/artigo/patrimonio-mundial-portugues-ilha-do-pico/
² Vale, Rita (2016) “Paisagem da Cultura da Vinha da ilha do Pico”. SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico”. Direção-Geral do Património Cultural. Página consultada a 11 janeiro 2021,
<http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=35674>
³ Enes, José (1946). “Montanha do Meu Signo”, in “José Enes – Obra Poética”. Editora Letras Lavadas, 2018, Ponta Delgada, Portugal.
⁴ “Santa Luzia” (s.d.) Câmara Municipal de São Roque. Página consultada a 11 janeiro 2021,
<https://www.cm-saoroquedopico.pt/santa-luzia>
⁵ “Ermida da Rainha do Mundo” (s.d.). Junta de Freguesia de Santa Luzia. Página consultada a 11 janeiro 2021,
<https://santaluziapico.pt/instituicoes/>