068 – Faial – Vulcão dos Capelinhos

Vulcão à vista! São 15h17.
Este vulcão manteve-se em atividade durante 13 meses, entre 27 de setembro de 1957 e 24 de outubro de 1958.

Este vulcão parece um cenário tirado dum filme de ficção científica e muito me diverti a andar aqui para trás e para a frente.

Lá em cima fica uma “Vigia da Baleia”, ou seja, onde antigamente alguém permanecia a vigiar o mar, à espera de avistar cachalotes, e então avisar os caçadores de baleias, que imediatamente agarravam nas suas coisas, metiam-se num barco e partiam à caça da baleia.

A placa indica:
Nesta vigia, da qual já só restam os destroços devido à erupção do vulcão, foram observadas as primeiras manifestações vulcânicas dos Capelinhos. No dia 27 de setembro, por volta das sete horas da manhã, o vigia de serviço, o Sr. José Soares da Cunha, observou no mar a menos de 1 km de distância, pelo menos 4 pontos efervescentes no mar que lançavam escórias e vapores de água. Era o início de um vulcão submarino que ao fim de 13 meses de erupção, tendo tido a sua última manifestação a 24 de Outubro de 1958, originou uma grande mudança demográfica nos Açores, em especial na ilha do Faial, que perdeu cerca de 35% da sua população, maioritariamente para os EUA e Canadá e, abria uma nova página na compreensão deste tipo de aparelho vulcânico.

Que cenário imponente, a deste vulcão – ainda miúdo!!

A praia dos Capelinhos, certamente. Deve ter sido aqui que o casal da bicicleta veio.

As coisas tornam-se minúsculas, perante tamanha grandiosidade. A minha bicicleta encolheu.

Entrada para o Centro de Interpetação do Vulcão dos Capelinhos. Está aberto, que maravilha. Aqui existe um conjunto de exposições, com especial destaque para a erupção do Vulcão dos Capelinhos e a formação do arquipélago dos Açores, mas também sobre os diversos tipos de atividade vulcânica no mundo, e a história dos faróis açorianos.
Foi nomeado pelo European Museum Forum, para melhor museu da Europa no ano de 2012.
O edifício encontra-se soterrado, de modo a não interferir com a paisagem pré-existente, permitindo desfrutar desta recente paisagem vulcânica originada pela erupção de 1957/58.¹

São 16h07, fecha às 17h – está com um horário reduzido devido à pandemia. O bilhete custa 10€, mas já não me deixam visitar tudo porque o horário é apertado, e propõem-me visitar as exposições (temporária e permanente) por 8€. Há um filme sobre a origem dos vulcões e do planeta, se bem percebi, mas já não cheguei a tempo de vê-lo. Também há o interior do farol, por 1€. Vou deixar o farol para outra visita à ilha do Faial, e vou visitar as exposições.

Vou transcrever alguns relatos retirados da National Geographic:
Os abalos que sacudiam a ilha do Faial há vários dias não prenunciavam nada de bom. E não é pela força do hábito que se pode encarar com descanso as instabilidades da terra. Afinal, não deixa de ser um fenómeno relativamente normal nestas ilhas plantadas a meio do Atlântico, nos instáveis limites de diversas placas tectónicas e a curta distância da dorsal médio-atlântica. A população temeu pelos seus bens mas, como é habitual, entregou-se nas mãos de Deus e resguardou-se em súplicas misericordiosas. Nenhuma entidade divina, porém, poderia conter a força que vinha das entranhas da Terra – às 6h45 do dia 27 de Setembro de 1957, na ponta oeste da ilha, a cerca de cem metros dos ilhéus dos Capelinhos e a um quilómetro da costa, o mar aparentemente calmo entrou em ebulição, dele jorrando colunas de nuvens cinzentas e esbranquiçadas.

José Soares da Cunha, conhecido por todos como mestre Rosairinha, foi o primeiro a detetar algo de anormal, alertado pelos gritos do irmão Daniel, mais abaixo, na estrada do farol. Era ele quem estava no posto de vigia da comunidade baleeira do Comprido, e esfregou os olhos ensonados perante tamanha visão. Estava ali para vigiar a presença de cetáceos, mas o que estava no mar era algo bem diferente de uma baleia. Correu para o farol e alertou o chefe faroleiro, o senhor Avelar, que quase não pregara olho nessa noite devido à forma como a torre abanara. Pouco depois, na cidade da Horta, as autoridades tomaram conhecimento da ocorrência.²

Quando chegaram à ponta do Capelo, testemunharam o que lhes tinha sido transmitido por telefone a partir do farol – quatro pontos efervescentes no mar lançavam cinzas, escórias e vapores de água. José Silveira Rafael também vivia na comunidade baleeira. Aos 38 anos, era um homem calejado das intempéries do mar e já assistira a muita coisa. Mas nada como aquilo: “Vi-o rebentar e atirar pedras. Fazia muito barulho, deitava muito fumo. E a noite ficou escura como breu.” Hoje vive no lar de terceira idade da cidade da Horta e a memória prega-lhe algumas partidas, mas os 88 anos são suficientemente lúcidos para não se esquecer dos acontecimentos de 1957. Na altura, Maria Olívia Faria tinha 23 anos e, tal como hoje, vive no Capelo, povoação com localização privilegiada para ver o acontecimento.

“Lembro-me de que primeiro começaram os tremores de terra miudinhos, mas depois os abanões tornaram-se mais fortes, pelo que fui com o meu marido para uma casa mais baixa. Só no dia seguinte, de manhã, é que o meu sogro me disse que tinha rebentado um vulcão.” Num relato apaixonado, continua a desfiar a memória de juventude. Sua e do vulcão. “Como não sabia bem o que era, deu-me grande curiosidade e quis ver: havia água a ferver, parecia um lago, mas não tinha medo nenhum, só me assustava de vez em quando com as explosões. Mas mesmo quando ele deitava coisas para o ar, fumo, areia e pedras, achava que era ao mesmo tempo muito bonito. Mesmo não sendo bom para a agricultura e para as casas, tive um pouco de pena quando me fui embora, porque não consigo mentir – as explosões eram mesmo muito bonitas, sobretudo à noite. Ainda agora, aos domingos, costumo passear com a família até ao vulcão. Está diferente, é verdade, mas continua a ser um bom vizinho.”²

Também Manuel de Vargas Garcia foi um espetador privilegiado. Vive na cidade da Horta, entretido com o alindamento do seu jardim, e não tem dificuldade em recuar 60 anos no tempo: “Estava no Varadouro a passar férias e senti vários tremores de terra nessa tarde. Claro que fiquei preocupado, mas não liguei muito, tanto mais que à noite, apesar de muito escuro, tudo ficou mais calmo. Mas não dormi nada, porque os abalos voltar a surgir. Quando amanheceu, decidimos voltar para a Horta e só quando chegámos é que soubemos que havia um vulcão. Depois, voltei lá várias vezes para ver o fenómeno.” E o fenómeno marcou-o para toda a vida: “Parecia uma panela de água a ferver, intercalada por explosões. Nessa altura tinha 35 anos, por isso recordo-me perfeitamente. Era, aliás, um sítio que conhecia muito bem, pois aquela baía era um paraíso de fauna e de flora, e costumava ir para ali pescar. Claro que quando apareceu o vulcão, tudo isso acabou.” Mas a nostalgia desses tempos nunca abandonou o espírito de Manuel Garcia: “Sempre que posso, ainda vou lá vê-lo para saber como está o vulcão que vi crescer.”²

Leiam isto que é muito interessante. Fica a versão em português e em inglês.

Fotografia: John Scofield e Robert F. Sisson.
Imagem retirada de National Geographic.²

A erupção submarina prosseguiu nos dias seguintes, enchendo o lugar de cinzas, escórias, roncos assustadores e cheiros sulfurosos. Os campos de cultivo e as pastagens cobriram-se de cinzento e as casas das imediações, nomeadamente no Capelo e no Norte Pequeno, ruíram ou abateram com a força dos tremores e pela acumulação da cinza. Surgiram, assim, os primeiros sinistrados, embora não houvesse vítimas a lamentar. Cinco dias depois, o vulcão já tinha emergido do mar e formara uma ilhota – batizada de ilha Nova.²

Os olhos azuis do senhor Rafael readquirem um brilho quando fala dos Capelinhos: “A minha casa ficou cheia de cinzas e areias, mas as paredes aguentaram. O vulcão ali tão perto fez-me ir para Castelo Branco, juntamente com alguns amigos da altura.” Para trás, ficou a vivência na comunidade baleeira do Comprido, mas não a vida do mar: “Aos 38 anos, já tinha arpoado muita baleia, mas, mesmo depois do vulcão, continuei a ser baleeiro. Passávamos entre o vulcão e a costa, mas já não havia tantos bichos como antigamente. Coisas do vulcão.” Mas nem isso faz com que o antigo caçador de baleias ganhe algum rancor ao cone fumegante: “O vulcão foi a minha companhia diária durante muitos anos, mas desde que vim para o lar que não o vejo. Pode parecer estranho, mas sinto um pouco a falta dele.” Quem não tem saudades do Capelinhos é a senhora Maria Olívia, porque, sempre que quer, basta-lhe assomar à janela de sua casa para facilmente o distinguir: “Depois de o ter visto pela primeira vez, a terra continuou a tremer, e depois veio a lava. Voltei lá, mas só uma vez. Chegou-me. Depois, o meu marido disse-me para irmos para a cidade, porque era mais seguro. Fomos a pé até Castelo Branco e reparámos que havia fendas na estrada e que muitas casas tinham ruído. E fomos o caminho todo a rezar.”²

A população do Faial vivia em permanente estado de ansiedade e temor, o que não impediu que o vulcão tivesse atraído imensas pessoas ao Capelo, por um lado para o ver com os próprios olhos, por outro para encontrar proteção divina. Por todo o Faial, bem como nas ilhas vizinhas, as missas e as procissões foram espontâneas, e as súplicas ao Divino Espírito Santo procuravam apaziguar a força da natureza – nos Açores, a religiosidade sempre foi um refúgio. Na noite de 28 para 29 de Outubro, a ira do Capelinhos por fim amainou – o mar manso engolira o vulcão, como que por artes mágicas. Restavam apenas duas ilhotas de cinzas e uma ténue fumarola no lugar da antiga cratera. A boa nova espalhou-se rapidamente, os agradecimentos ao Divino Espírito Santo correram todas as igrejas e capelas e as famílias prepararam-se para regressar aos seus lares arruinados e cobertos de cinza. Ninguém podia saber, na altura, que a pequena ilha colapsara para dentro da própria cratera ativa, provocando o seu afundamento. Acompanhado de alguns abalos, o vulcão expeliu jatos de água fervente, vapor e gases azulados quentíssimos, acompanhado por um forte cheiro a enxofre, que foram por todos considerados os últimos estertores de um condenado à morte.²

A falha que rompe pelo Faial e que se prolonga pelo fundo marinho.
Imagem retirada de National Geographic.²

Na noite do dia 3 de Novembro, porém, o vulcão ressuscitou e regressou com uma força até então nunca vista: grandes explosões, jatos de vapores, cinzas e escórias de tal forma intensos que, num curto espaço de dias, a nova ilha (deslocada cerca de cem metros em relação à anterior) cresceu, alargou-se e inchou. Rapidamente criou um istmo que não só engoliu os ilhéus dos Capelinhos, como, apenas uma semana depois, se ligou a terra firme na costa oeste do Faial, acoplando-se ao que resta do antigo e grandioso vulcão Costado da Nau. À medida que os dias iam passando, o vulcão aumentou, o istmo alargou ao ponto de o Capelinhos se ter transformado numa península e o seu carácter explosivo intensificou-se, a que não é alheio o facto de, tal como na erupção submarina original, a água do mar estar em contacto com a chaminé ativa. A noite de 12 para 13 de Maio de 1958, contudo, corresponde a uma nova página na vida do vulcão. Uma crise sísmica, que registou cerca de 500 abalos de maior ou menor intensidade, varreu o Faial, o que provocou um reajustamento da estrutura subterrânea do edifício vulcânico. O Capelinhos atingia o seu apogeu.²

Imagem retirada de National Geographic.²

Subitamente, às 22horas, a cratera principal esguichou lava muito fluida durante algumas horas. Seguiram-se grandes e luminosas explosões strombolianas como fogo-de-artifício, emissões de bombas vulcânicas e torrentes de lava escorreram pelas vertentes –  um espetáculo simultaneamente sublime e dantesco, que atormentou a população. 24 de Outubro de 1958 corresponde ao último dia de vida ativa do vulcão, uma surpreendente reforma antecipada. A cratera principal limitou-se à emissão esporádica de gases sulfurosos e uma ou outra fumarola deu ténues sinais de vida, mas os roncos e as explosões calaram-se de vez na chaminé vulcânica. O Capelinhos emudeceu. Ou, simplesmente, adormeceu.²

Em termos vulcanológicos, os Açores estão zona de confluência e divergência das placas tectónicas Americana, Eurasiática e Africana, para além da própria micro-placa açoriana. Daí a regularidade de ocorrência de vulcões, furnas, fumarolas e géiseres ao longo dos tempos.
Mas o que distingue o vulcão dos Capelinhos é o facto de ter sido a primeira erupção submarina devidamente observada, documentada e estudada, desde a nascença até ao estado moribundo. Como brinca Victor Hugo Forjaz, presidente do Observatório Vulcanológico e Geotérmico dos Açores, também ele testemunha da emersão do Capelinhos, “o vulcão apareceu em condições privilegiadas: junto a uma ilha habitada, com estrada, farol e telefones privativos!”²

O aparecimento do Capelinhos marcou profundamente a ilha do Faial no aspeto físico e a população local no estado de alma. Terrenos agrícolas estéreis, colheitas perdidas, campos de pasto inutilizados, casas destruídas e um certo medo do desconhecido, tudo isso aportou à ilha através do vulcão – felizmente, não ceifou uma única vida humana. Mas todos estes factores contribuíram para que os sinistrados do vulcão – aqueles que sofreram mesmo na pele as consequências e aqueles que aproveitaram a “onda” – tivessem razões para embalar a trouxa e zarpar. Os Estados Unidos e até o Canadá passaram a ser um objetivo, tanto mais que os Açores são quase a meio caminho entre a Europa e a América.

Num curto espaço de tempo, a demografia do Faial caiu para mais de metade, cerca de 12 mil habitantes. Os restantes aproveitaram as condições favoráveis de emigração ao abrigo de um decreto do então senador John Fitzgerald Kennedy, que se preparava para assumir a candidatura à presidência. O estado da Califórnia, particularmente, acolheu os açorianos de braços abertos, ao ponto de estes terem, ao fim de pouco tempo, direito a voto. Curiosamente, John Kennedy foi eleito presidente dos Estados Unidos por ter vencido, à tangente, as eleições no estado da Califórnia… Não surpreende, assim, que seja numeroso o contingente açoriano na América do Norte. Por lá criaram raízes e família mas muitos nunca deixaram de sonhar com o regresso. Foi o caso de Maria Humberta Dutra Matos, a primeira bebé a nascer dos sinistrados que emigraram. Nasceu em Rhode Island a 15 de Fevereiro de 1960 mas, hoje, está à frente do café que abriu no Capelo – com o sugestivo nome de “O Vulcão”. Quando o Capelinhos caiu num sono profundo, alguns voltaram, mas não deixam de se mostrar agradecidos ao que os Estados Unidos lhes ofereceram. Basta olhar para o orgulho com que exibem, nos cafés e nas ruas do Faial, as camisolas com o nome de cidades e de estados norte-americanos. Hoje, o Faial, a bem da verdade, não se mostra muito diferente do que era há 60 anos.²

Quem igualmente ficou marcado pelos acontecimentos de 1957 foi Victor Hugo Forjaz: “Nunca me hei de esquecer. Vim pela mão do meu pai, que era vice-presidente em exercício da Junta Geral do Distrito da Horta e, mesmo tendo 16 anos, fiquei maravilhado. De tal forma que, hoje, posso garantir que foi o Capelinhos que me orientou a vida e me entusiasmou a seguir esta via – se não fosse a sua existência, não seria seguramente vulcanólogo. (…) No miradouro junto ao farol dos Capelinhos, Victor Hugo Forjaz olha para o vulcão avermelhado e diz, emocionado: “Sabe, já vi muitos vulcões, percorri o mundo com colegas só para os contemplar, mas este será, sempre, o ‘meu’ vulcão.” É natural que, mais cedo ou mais tarde, surja “outro” Capelinhos no mar, em frente a este agora silencioso – só não se sabe quando. “Espero viver para assistir a nova erupção. Era o maior gosto que podia ter, desde que não houvesse baixas humanas. Algo belo e inofensivo.”²

E assim termina mais este maravilhoso passeio. Telefonei ao taxista Paulo para vir buscar-me. São 17h09.

Pico – o Titã – observa tudo. É a montanha mais alta de Portugal, com 2351 metros de altitude. Ali é a ilha do Pico.

Foram 22,7 km de táxi, 30€. Cheguei às 17h55.
Comi sete bananinhas (sim, foram sete, mas ela são minúsculas!) e fui tomar banho.
Voltou a doer-me o estômago. Não posso beber água da torneira. Fui comprar água mineral no minimercado ao lado do alojamento.
Hoje fiz 26 km na bicicleta – certinhos, 26,0 km – e 49,7 km de carro. Aqui no carro estão incluídos os 1,9 km de boleia do Sandro. Foram portanto os 25,1 km de manhã, com o taxista Paulo, os 1,9 km de boleia com o Sandro, e finalmente os 22,7 km de regresso a casa, novamente com o taxista Paulo.


¹ “Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos” (s.d.) Parques Naturais, Governo dos Açores. Página consultada a 17 dezembro 2020,
<https://parquesnaturais.azores.gov.pt/pt/parques/3/centro/12>

² Rolão, Paulo (s.d.) “Leve lava – Vulcão dos Capelinhos sessenta anos depois”. National Geographic Portugal. Página consultada a 17 dezembro 2020,
<https://nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/1554-capelinhos-setembro2007>

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