056 – Corvo – Nas Lides do Campo com Pedro (II)
Ali pendurado no espelho retrovisor, no interior do carro, está a fotografia duma criança. Pergunto ao Pedro quem é. É a Carol – Ana Carolina – a sua neta que agora tem 13 anos de idade. Os pais viveram no Brasil, mas ela nasceu já na ilha do Corvo. E o Pedro tem também mais outros dois netos.
O Pedro mostra-me os seus binóculos. Eu experimentei-os, são fabulosos. Dá para ver os terrenos baldios todos em detalhe.
O Pedro fez um tanque em cimento, para ter água, e agora tem de enchê-lo, senão estraga-se. Estas mangueiras são para isso.
A casa indica “Fábrica de Manteiga Cooperativa Agrícola Corvense”. O Pedro conheceu esta fábrica a laborar. Parece que já mexeu muito. Agora está abandonada. A manteiga da ilha do Corvo era vendida no continente, não nos Açores, explica-me.
Antes de ser uma fábrica de manteiga, nesta casa morava um casal de franceses, os quais recebiam um subsídio de ajuda, explicou-me o Pedro. Aqui era a casa de banho.
Perguntei ao Pedro para que serve a mangueira verde. A branca é que está a fazer tudo. Não sabia se a branca chegava – respondeu – e por segurança trouxe a verde também. Veio passear – disse, a rir-se. E eu ri-me também. Contou-me ainda que este rolo branco custa 60€ na ilha do Corvo. O Pedro mandou-a vir do continente por 14€. O genro encomendou-a na internet. Possa.
O Pedro está cá no Corvo há 49 anos, e as coisas aqui eram mais fáceis do que na ilha das Flores, conta-me. Aqui há terrenos, os donos estão na América e é o Pedro quem trata deles e os usa. Pode ter gado nos terrenos baldios de graça. Na ilha das Flores há um serviço florestal. Aqui no Corvo o regime florestal terminou após a revolução do 25 de Abril de 1974. As terras – as divisões – ficaram todas abertas, e o gado livre. Os guardas tomavam conta das terras, que são do governo. De 3 em 3 meses tinha de se pagar dez contos, era uma fortuna. Era um seguro que tinha de se pagar ao serviço florestal. Perguntei ao Pedro porque é que a revolução do 25 de Abril terminou com esse malfadado regime florestal na ilha do Corvo, e não o terminou também na ilha das Flores. Não soube responder-me. São outras maneiras de ser, disse-me.
Leio na internet o seguinte:
“Na década de 1960 a população da ilha viveu em constante oposição ao regime florestal imposto sobre o baldio da ilha, regime esse que levou ao fim da produção de lã, fazendo desaparecer totalmente as ovelhas da ilha, e com elas as tradições ligadas à tosquia, cardagem, fiação e tratamento das lãs, antes aspetos centrais da cultura corvina”.¹
400 e tal cabeças de gado foram exportadas no ano passado, daqui do Corvo, diz-me o Pedro. Há um subsídio de embarque e outro de abate, mas apenas se for abatido nos Açores. Se for vivo para o continente não recebem.
Não existem arcas frigoríficas grandes para meter a carne, nos matadouros. Flores também não tem arcas. O gado tem que sair vivo por causa disso.
Perguntei ao Pedro se sabe do horror da exportação de animais vivos para Marrocos e Israel. Do sofrimento que os animais passam dentro dos navios, em muito más condições, durante muitos dias. O Pedro desconhece. Eu sei que aqui no Corvo não exportam animais vivos para o Médio Oriente, é apenas a ilha do Pico que o faz. Lá chegarei. As ilhas dos Açores exportam sim animais vivos para o continente, e os animais são transportados em navios de carga, dentro de contentores com respiradouros. Nada bom, portanto. A viagem dura entre 3 a 5 dias. Fechados num contentor. Pergunto-me se o facto dos agricultores não receberem um subsídio, no caso de mandarem o gado vivo para o continente, terá alguma coisa a ver com o bem-estar animal. Se calhar são apenas questões económicas. Três dias num contentor não deve ser agradável. Alguém quer passar 3 dias dentro dum contentor? Quanto mais 5. Custarão assim tanto dinheiro, as arcas frigoríficas? Ganham os animais e ganham os agricultores, que passam assim a receber um subsídio de abate.
O Pedro continua a explicar-me uma série de coisas, enquanto o tanque vai enchendo de água:
Hoje a ilha do Corvo tem um dentista; um médico que veio da ilha de São Jorge e mora cá; e também há uma enfermeira. Antes não havia nada disto.
As coisas compradas na ilha das Flores têm portes pagos pelo Governo. Se vierem da ilha do Faial o Governo já não paga. E a guia tem de vir em nome do morador corvino. Se o Pedro comprar um carro, por exemplo, e mandá-lo vir das Flores, é o Governo que paga os portes. E contou-me a história de um empreiteiro, a construir uma casa aqui no Corvo, que teve de mandar vir os materiais da ilha das Flores. Mas como não era corvino, e tinha as faturas em nome da sua empresa (não corvina) houve um conflito, pois o Governo não lhe pagou as despesas de transporte dos materiais.
Depois o Pedro contou-me que tem carro, tem uma moto4 (que tem um pneu furado e ele anda com preguiça de repará-lo), também tem uma scooter, um jipe que não trabalha, e três motos cultivadoras, duas com 15 cavalos, e uma com 12. Então e barco? – perguntei-lhe. Não tem barco. Como é possível morar numa ilha e não ter barco?! O Pedro riu-se. É um ilhéu – ou seja, nasceu e vive numa ilha, e tem tudo menos um barco.
Quando crescer o pasto, as vacas virão para aqui. Daqui a um mês e meio esta terra estará pronta para receber gado, conta-me.
O barco da carga atracou ontem, disse-me. Vai-se hoje embora.
Eu estou com dores de estômago. Só pode ter sido a água da torneira a fazer-me mal; não comi nada de especial, comi as torradas de manhã, como é hábito. O Pedro diz que a água da torneira vem das lagoas artificiais e que é tratada lá em baixo na vila. Que ele não a bebe precisamente porque fica mal do estômago. E veio mostrar-me esta fonte. Repare-se nos limos dentro de água: sinal de pureza.
Havia 3 manteigueiras no Corvo, todas perto de água, explica-me o Pedro. Esta água que diz agora não ser tratada, era a água que servia a manteigueira. Mas ela vai desaguar lá em baixo na vila, através dum cano.
A torneira está cortada, propositadamente para não parar de correr – ninguém pode fechá-la.
Esvaziei o meu cantil e enchi-o agora com esta água da fonte. O Pedro garante que é boa, e que ele próprio vem buscar aqui água para si. Seja o que Deus quiser. Estas dores têm é que parar, amanhã tenho que estar em forma para subir ao ponto mais alto da ilha do Corvo: o Morro dos Homens, a 718 metros de altitude. Curiosamente o Pedro sabe onde é e apontou-me inclusivamente o pico. Foi o único, até agora, que soube identificar o local. O João e o Filipe não conseguiram identificar também. Se calhar até já lá foram, mas deverão conhecê-lo por outro nome. Ou por nome nenhum.
Daqueles três picos, o do meio é o Morro dos Homens, aponta-me o Pedro. Na internet cada site diz uma altitude diferente: uns dizem 718, outros 719, e outros 720 metros. Procurando uma fonte oficial, nomeadamente do Governo dos Açores, não diz nada. A parte da altitude é omissa: diz simplesmente “A visita ao ex-libris do Parque Natural do Corvo, o Caldeirão, só ficará completa e enriquecida se apreciar a imponência do Morro dos Homens”.² Não dizem portanto altitudes de nada, que é para não haver confusões. Pelos vistos não será um ponto claro. Alguém tem que ir medir a coisa.
De volta à minha bicicleta. Ainda ali está. Com estas voltinhas todas, na companhia do João e do Filipe, e depois do Pedro, tenho 22,5 km de carro, hoje. Imagine-se. A ilha tem 6,5 km de comprimento e 4 km de largura.
O Pedro vai ali à frente, no carro vermelho, e eu vou atrás de si, na bicicleta. É que agora vou almoçar a sua casa! A sua mulher – a Celeste – disse que eu podia ir, que a comida chegava para mim. Não estava nada à espera disto. Foram invenções do Pedro, ao falar ao telefone com a mulher, que lhe ligou a saber quando é que vai almoçar. Só espero não ir incomodar.
¹ “Corvo (Açores)” (s.d.) Wikipedia. Página consultada a 29 novembro 2020,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Corvo_(A%C3%A7ores)>
² “Parque Natural do Corvo – Ilha do Corvo” (s.d.). Secretaria Regional da Agricultura e Ambiente, Governo dos Açores. Página consultada a 29 novembro 2020,
<http://parquesnaturais.azores.gov.pt/pt/feedcorvo/1506-parque-natural-do-corvo-ilha-do-corvo-reserva-da-biosfera>