024 – Santa Maria – Cascata do Aveiro

A bicicleta fica presa a este poste. Em circunstâncias normais – em Lisboa, por exemplo – jamais deixaria a bicicleta assim. Basta levantá-la e o cadeado sai pela parte de cima do poste. E muito menos esta corrente tão fina. Teria de usar o meu cadeado em aço, de 2 kg, o qual ficou no alojamento, nem ando carregada com ele. Isto é só para mostrar às pessoas que a bicicleta tem dono e que supostamente não anda longe. Os dois cantis também ficam ali, levo o terceiro comigo. Estamos na pequena ilha de Santa Maria, não há muito para onde fugir. Fiquei no entanto com receio pelo suporte do telemóvel. Aquilo é uma peça de plástico barata, custa dez euros ou menos, comprei-a numa loja de indianos no Martim Moniz, em Lisboa, no entanto por aqui não há nada disto à venda. Torna-se valiosa não pelo seu preço, mas pela sua raridade. Uma criança ou um adolescente poderia achar-lhe graça. Então tirei-a e levei-a comigo. Esta peça é fulcral na minha viagem. Eu tenho que pedalar e ir a ver o caminho.

A Cascata do Aveiro. Mas agora o caminho continua. É preciso ir ver a base da cascata, lá em baixo. Bute Rute!! São agora 9h57.

Será que alguém morreu nesta descida, alguma vez? Irei morrer hoje? Estará aqui o meu destino? A chover torna-se mais escorregadio. Fui com muito cuidado, muito devagar. Não há vivalma a descer ou a subir este caminho. Os efeitos da pandemia da Covid-19 fazem-se sentir claramente aqui em Santa Maria, a nível do turismo.

Vem aí chuva novamente.

Posso fazer os disparates todos que quiser, não há ninguém mesmo. Não me cruzei com absolutamente ninguém desde que iniciei a descida.

No entanto estou a ser atentamente observada por este pato, que tem vindo a seguir-me.

O meu piquenique é constituído por um gel energético e água.

A Cascata do Aveiro tem cerca de 100 metros de altitude. Soltei uma gargalhada ao pensar que agora tenho de subir tudo. A bicicleta está lá em cima. São 10h55.

Por baixo daqueles calções azuis estavam os de ciclismo, com esponja. É um conjunto, não podem sequer ser comprados em separado. O pato viu-me portanto em cuecas quando tirei os calções do ciclismo, preparando-me para a subida e calor. Já faz sol.

Um patinho muito lindo que anda aqui a passeaaaar! – cantei, e ecoou pela cascata toda. O pato até se assustou no início, arranquei em força, mas depois percebeu que eu não ia fazer-lhe mal e ouviu a canção, que repeti várias vezes, com as várias entoações e pausas. Cantei bem alto. Se houver alguém por perto que eu não saiba, pois ouviu a canção várias vezes. O patinho aparentemente gostou e continuou a seguir-me para todo o lado. Coitadinho, não aparece aqui ninguém, agora. Ele não tem ninguém para se distrair. Eu devo ser uma lufada de ar fresco nos últimos meses. Uma rara turista. E ainda por cima canto-lhe.

Não tens nada para mim? – perguntou-me ele.
Só tenho uma barra de proteína, não pode ser, patinho, ficarias um hiper-pato.

Não está fria, a água.

Bom, daqui a pouco apanho-te e levo-te comigo na bicicleta, patinho! Para conheceres a ilha de Santa Maria!

É altura de regressar. São 11h54. Estive aqui uma hora – uma hora muito agradável. Já descansei, já cantei ao patinho, já faz sol, é hora de subir. Aproxima-se a hora de almoço também. Não há rede. Queria reservar almoço no Snack Bar de Santo Espírito e não tenho rede.
E o outro pato da cascata não saiu do caminho, eu é que tive de desviar-me. São os reis da cascata!

Uma pessoa!! Uma pessoa!! Tenho que tirar-lhe uma foto, disse-lhe eu. Tem que deixar-me tirar-lhe uma foto, foi a única pessoa que vi até agora!
Isto parece um daqueles filmes de ficção científica em que a humanidade está a extinguir-se e só resto eu, a única sobrevivente, a circular pelas estradas desertas com tudo abandonado e vazio.
Chama-se Maria José é da ilha Terceira. Está de férias. Aqui só moram emigrantes, e com a pandemia ninguém vem, explicou-me. O Festival Maia Folk seria agora neste fim de semana, acrescentou.
Há oito anos que a Maria José vive em Santa Maria. É educadora de infância. Já trabalhou nas ilhas do Pico, São Jorge, São Miguel. Na sua ilha natal – a Terceira – não arranjou emprego.
Ofereceu-me nectarinas, mas eu não quis ficar com as mãos sujas. Não tem bananas, que sempre seria mais prático de comer. Foi a Maria José que me explicou que existem outros dois locais, na Vila do Porto, que quase de certeza teriam bananas, um deles era só atravessar a rua para o outro lado. O barco que traz as bananas é à quarta-feira.

Bom, vamos a isto. A subida começa aqui.

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